Um texto impecável veiculado no Jornal Diário Popular (Pelotas) em 09 de junho de 2013.
Livre Arbítrio (Lisiane Rotta)
Livre Arbítrio (Lisiane Rotta)
Ao contrário de sua santidade o papa Francisco, eu
compreendo as pessoas que pensam antes de trazer um filho ao mundo. Uma
responsabilidade que não deve ser confiada apenas a Deus. Uma criança precisa
bem mais do que todo o amor de que seus pais são capazes de lhe dar.
Não atribuo essa preocupação ao individualismo, nem à
supervalorização do conforto material e sim à consciência. Felizmente, há quem
se questione antes de se lançar a mais difícil tarefa incumbida a um ser
humano.
Criar outro. Outro. Não uma miniatura de si mesmo. Criar
alguém totalmente original. Com expectativas, desejos, necessidades, emoções e
personalidade totalmente diferentes. Alguém novo. Surpreendente. Desafiador.
Um ser que lhe ensinará a amar incondicionalmente, mas que
não pode lhe prometer um futuro sem preocupações, angústias e frustrações.
Um ser como seus próprios obstáculos a vencer e tão
conectados a sua vida que sua felicidade passará a depender da dele.
Portanto, não creio que as pessoas que optam por não ter
filhos ou em ter apenas um único estejam pensando, apenas, nelas mesmas. Ao
contrário, demonstram grandeza de sentimentos. Abrem mão de emoções que jamais
vão conhecer, preocupadas com a vida que podem oferecer a alguém que dependerá
não só do seu amor, mas da sua proteção, do seu tempo, da sua sensibilidade, da
sua sensatez, do seu equilíbrio emocional e das suas condições econômicas.
É difícil, para quem é pai, imaginar felicidade maior do que
a de ter um filho. Uma alegria que lhe condena a amar, dar colo e puxar orelhas
para o resto da vida e, ainda assim, a maior de todas as alegrias. Uma
pós-graduação de flexibilidade, compreensão e tolerância. Uma catarse. Um
sonho. Uma razão. Se, ainda assim, nem sempre um pai pode ajudar um filho,
imaginem se procriar se tornasse um ato impensado.
Eu sei que desejar muito um filho não dá aos pais a garantia
de que sejam bons pais. Sei, também, que há pais e pais e que, por melhor que
sejam, todos vão cometer seus erros.
Há os que se preocupam apenas com a felicidade do próprio
filho, sem se importar com o ser humano que estão formando. Há os que se
preocupam em fazer dos filhos instrumentos à própria realização. Há os que
desejam que os filhos sejam bem mais do que, simplesmente, pessoas de
sucesso...
Enfim, há pais para todos os gostos, com pretensões, muitas
vezes, tão distintas das dos próprios filhos, que a sintonia dessa relação pode
ser vista como uma bênção.
Porém, o amor... Ah, esse é inevitável, imensurável,
incontestável. Nenhum pai, em sã consciência, deseja menos do que o melhor para
o seu filho.
Portanto, eu me recuso a aceitar que trazer um filho ao
mundo seja encarado como uma consequência da nossa existência ou que a razão
maior de estarmos aqui seja a de perpetuar a espécie. Não somos, apenas, animais.
Não aceito um filho como uma imposição da vida e muito menos
de uma religião. Filho é um desejo. Uma escolha. Uma decisão. A mais
importante. A melhor. Se for de livre e espontânea vontade.
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